Nasce hoje, pela mão da Rosário Belo, um projeto que, em si, tudo contém para ser inovador no panorama português. Quando a Rosário me apresentou a sua ideia, deu como mote a criação de um grupo de livre pensamento e dinâmico assente nas perspetivas de Winnicott. Enfatizou a liberdade de criar, a vontade de dinamizar a comunidade científica (e não só) com o diálogo entre vários autores e Winnicott. Tal liberdade/responsabilidade e entusiasmo/capacidade de trabalho são características próprias da Rosário e que contagiam quem com ela tem o privilégio de trabalhar.
Com estas palavras, a Rosário despertou o meu sonho/projecto de integrar um grupo de trabalho voltado para a relação mais precoce. Um interesse que precisamente começou na Faculdade com o conhecimento do pensamento de Winnicott e seu enfoque na relação entre o amadurecimento do psiquismo do bebé e a relação proporcionada pela mãe suficientemente boa. Por este despertar e esta possibilidade, um muito obrigada à Rosário!
Na minha vida profissional muito tenho aprendido sobre a importância da relação precoce e do entrelaçamento das necessidades da criança com a história da infância dos seus próprios pais. O meu interesse em trabalhar nesta área tem crescido, reconhecendo que ajudar a criança passa muitas vezes por cuidar dos pais no seu caminho de amadurecimento e empoderamento.
Reconhecer como a primeira relação humana funda a pessoa adulta e o seu estilo relacional é reconhecer a importância da gravidez e das relações mais precoces. É reconhecer que o investimento dado ao desenvolvimento emocional da criança e do jovem colhe-se no futuro dos seus filhos. Mas é também reconhecer a importância do apoio emocional aos pais naquela que é a etapa mais exigente: criar emocionalmente outro ser humano.
Os estudos de Winnicott e de tantos outros investigadores nesta área apaixonante mostram como o ser humano precisa de outro ser humano para se desenvolver e precisa de uma relação emocional suficientemente acolhedora e estimulante para se tornar Pessoa.
Do mesmo modo que “um bebé não existe sozinho”, como tão bem sublinhou Winnicott, os futuros pais também não existem sozinhos, como tão bem alerta João Gomes Pedro. E o isolamento das famílias nesta sociedade marcada pela exigência de sucesso aumenta sentimentos de culpa e de incompetência nos pais que não se sentem fazer parte da fotografia bonita do Facebook ou do Instagram.
Vamo-nos tornando pais na aprendizagem que fazemos de nós próprios na relação com o nosso filho. Somos os pais que a nossa própria história nos permite ser e muitas vezes, de forma inconsciente, sobrepõe-se na figura de um filho a imagem da nossa infância e a força das nossas vivências emocionais melhor ou pior integradas.
Neste período de grande revolução interior nos pais surgem oportunidades de amadurecimento, tal como outro período de crise. Porém, para que a crise se transforme em maior compreensão individual e amadurecimento, precisamos de um outro que acolha o nosso psiquismo com empatia e confiança em nós e connosco faça o caminho de dar significado às emoções que não conseguimos integrar e nos ajude a reabilitar o nosso sentido de competência para fazermos a nossa vida. Só então o nosso psiquismo consegue acolher as necessidades de outro ser. Para amar temos de ser amados, como nos transmitiu o nosso saudoso Coimbra de Matos. Para acolher um outro temos primeiro de ser acolhidos emocionalmente.
É, pois, grande o desafio que a Rosário a todos nos coloca com a criação deste grupo: numa sociedade voltada para o ter e para o sucesso, em que tudo é mediado pela tecnologia e pela Inteligência Artificial, reconhecer a singeleza do Humano, que, para crescer suficientemente bem, apenas precisa de Pais disponíveis emocionalmente para se entregarem, brincando e aprendendo, na relação íntima e profunda com a Criança!