Foi na livraria da D. Lina, à entrada do ISPA (aquele ISPA dos anos 90) que comprei o meu primeiro livro de Winnicott: “O Brincar e a Realidade”. Daí para a frente, Winnicott acompanhou-me sempre, fui comprando os seus livros e, naquela altura, servia-me de colo entre as leituras de tantos outros autores da psicanálise que fui lendo ao longo do curso.
Digamos que entrei na obra de Winnicott como um bebé que vem ao mundo: de forma subjectiva. Lê-lo era um descanso. Ele facilitava-me a entrada no mundo da psicanálise. De forma simples, real e autêntica, Winnicott acolhia-me num ambiente seguro e confiável, onde o mundo da sua psicanálise me era apresentado (em pequenas doses) ao mesmo tempo que eu o estava a descobrir e a criar! Era como se já conhecesse, dentro de mim, aquilo que ele escrevia. Sem o uso da mente, podia conhecê-lo e integrá-lo, revivendo memórias implícitas, sentindo coerência na descoberta e identificando-me com aquele saber.
Pelos finais dos anos 90, quando iniciei a minha prática clínica, de mãos dadas com a Rosário e, nos 15 anos seguintes, com a Supervisão de Coimbra de Matos e nalgumas conversas com o Zé Carlos, julgo que entrei numa fase transicional da minha relação com Winnicott. Levava-o comigo para todo o lado e brincava com as suas ideias e conceitos, que me guiavam e apoiavam na prática clínica. Parecia que Winnicott era tudo e chegava a tudo! Com ele, eu podia compreender as coisas mais complexas, experimentar a realidade e levar a criatividade e a intuição para a minha realidade clínica quotidiana. Coimbra de Matos gostava que eu lho levasse e juntos conversámos muito sobre os ensinamentos de Winnicott: sobre a importância do brincar sem interpretar, sobre as condições de possibilidade que o ambiente terapêutico oferece, sobre algum manejo clínico menos ortodoxo e divertíamo-nos imenso!
No fim da primeira década de 2000, num Congresso de Fenomenologia em Lisboa, Irene Borges Duarte conhece o trabalho de Zeljko Loparic e Elsa Oliveira Dias sobre o pensamento de Winnicott e estabelece a ponte com a Rosário Belo e com a AP. Dessa ponte resulta o 1º Encontro Luso-Brasileiro sobre o Pensamento de Winnicott, em Lisboa, em Fevereiro de 2013. Daí em diante, a colaboração deste grupo brasileiro com a AP, através da Rosário, intensificou-se e desenvolveu-se, levando à criação de um Grupo de Estudos Winnicott Portugal.
Foi então que, convidada e impulsionada pela Rosário a fazer parte do Grupo de Estudos, mergulhei numa leitura mais séria e profunda da obra do autor, guiada pelo extraordinário trabalho de Elsa Oliveira Dias “A Teoria do Amadurecimento” e pelos escritos fenomenais de Zeljko Loparic. O livro da Elsa Oliveira Dias ficou destruído pelas minhas leituras, sublinhados, anotações, dúvidas e releituras… Eu começava a perceber o pensamento de Winnicott de forma mais objectiva! Podia atrever-me e deliciar-me a fazer uso disso. Aconteceu então um “EU SOU” de Winnicott em mim e de mim na relação com a obra de Winnicott!
O Grupo de Estudos Winnicott e o trabalho desenvolvido com a Rosário, a Irene e o Zé Carlos no último ano configuraram mais um salto neste caminho: o de trazer o Winnicott de cada um de nós para o centro de um projecto cada vez mais ambicioso de divulgação da sua obra em Portugal. Uma tarefa de responsabilidade. Foi uma experiência riquíssima, comparável talvez, na minha relação com a obra, a uma entrada nas “relações interpessoais”, com todos os desafios e turbulências a elas associados. As perspectivas de cada um, os pontos de vista diferentes, olhar para o autor através dos olhos dos outros… Uma aventura que nos trouxe até onde estamos hoje.
Hoje, estamos prontos para a entrada de mais formadores e colaboradores, todos eles de grande qualidade e com um entusiasmo que traz ainda mais vitalidade ao projecto! Continuar este projecto com todos significa continuar o caminho do amadurecimento na relação com a obra e com o pensamento de Winnicott… encontrando compromissos e amadurecendo juntos… e podendo sempre regressar ao brincar de “O Brincar e a Realidade”.