Muito se tem falado sobre a chamada inveja do pénis, tema tão caro a Freud. A meu ver há uma diferença entre uma inveja do pénis que poderíamos considerar “normal” na integração da diferença – decorrente do processo de desilusão e do consequente reconhecimento de que não somos omnipotentes. Esta “inveja” estaria presente sobretudo na chamada fase fálica – com correspondência para o que poderíamos chamar inveja da vagina nos rapazes (inveja da capacidade de engravidar e gerar vida) – ambas referentes ao facto de nos percebermos incompletos e de reconhecermos na diferença o que nos falta; que remeteria, na fantasia infantil, para as elaborações imaginativas primitivas das componentes da identidade sexual complementares ao sexo biológico, na linha do que nos aponta Winnicott em Natureza Humana (p. 62). Este tipo de inveja seria passageiro e não deixaria história.
Outra coisa, seria o que poderíamos chamar uma inveja do pénis patológica (e em meu entender, a correspondente inveja da vagina patológica). Aqui, creio que não as podemos dissociar da inveja do seio observada por Winnicott quando o bebé, na fase da dependência absoluta, está perante um seio que “faz” e não de um seio que “é”. Isto é, quando o bebé é forçado a reconhecer que o que precisa vem de fora.
Em condições suficientemente boas, não há por que ter inveja do seio, já que se é o próprio seio. Mas quando tal não acontece – perante um seio que “faz” – o bebé é forçado ao contacto com o diferente antes de ser ele mesmo; vivendo-se impotente e submisso a algo maior e irremediavelmente inalcansável. Se tudo o que é bom vem de fora, é natural que se inveje essa idealização mágica engendrada por uma mente precocemente ativada, criando-se condições para a inveja patológica – do pénis, da vagina, do relógio Gucci, ou de tudo o que é visto como diferente e ideal, de preferência inatingível; simplesmente porque se acredita que “isso que não se tem”, traria a tão necessária completude.
Está aberto o caminho da alienação; de vidas esgotadas sem sentido, em que tudo aquilo que se precisa, por definição, não existe. Incapazes de viver a partir de dentro, destorcem-se para se adaptarem ao ideal sempre aflorado e fugidio. Mas se por ventura se atinge a tão ansiada miragem, esta logo se desfaz, cedendo o lugar a uma nova etapa em que se acossa uma meta ainda maior; nesta lógica de perseguição de uma felicidade inscrita no negativo: só é bom o que não se tem (à semelhança do objecto a de que falava Lacan).
A concretização será sempre o aplacar imediato da aflição (como observamos em qualquer toxicodependência), mas simultaneamente a queda brusca da ilusão – a morte da expectativa que traria a resolução mágica do problema. E é por isso que se fica encerrado numa circularidade patológica, só possível de resolver com adequada intervenção terapêutica. Sem isso, sempre se procurará uma “terceira perna”, como tão bem concebia a maravilhosa Clarisse Lispector logo no início do seu livro “A Paixão Segundo GH”.
Neste círculo vicioso, o resultado será sempre o vazio, a agonia impensável, o cair para sempre, o nada a que se referenciar; numa lógica em que tudo o que se tem já não serve; sendo o que é bom, sempre, o que está em falta. Reunem-se condições para a inveja vivida de forma patológica; objetificada, concreta e alegórica; em que se percebe a falência do símbolo e do espaço potencial. Ora sem espaço potencial não é possível amar nem ter sexualidade. E para que aconteça o espaço potencial tem que ser possível recriar a ilusão de omnipotência bruscamente interrompida, se é que chegou a ser vivida. Só assim será possível recuperar a linha de amadurecimento saudável, precocemente interrompida, e iniciar uma vida a partir de dentro. O sentido, então, virá desse lugar em que nada se inveja por tudo se tem e porque tudo se é.