CIWP
Associação Winnicottiana Portuguesa – Centro de Investigação
Saúde mental não se distingue de saúde geralNewsletter Abril 2024
Assinalamos os 128 anos sobre o nascimento de Winnicott, homenageando-o com o lançamento da nossa newsletter. De agora em diante festejaremos juntos o nascimento de Winnicott, sejam bem-vindos.
Folheto digital informativo onde pode conhecer mais sobre a vida do CIWP e das suas actividades desenvolvidas, bem como os mais variados temas sobre psicanálise
Índice
Introdução
Iniciamos o lançamento da nossa newsletter em Abril, mês de liberdade e revolução,
celebrando a mudança de paradigma trazida à psicanálise por Donald Winnicott. O paradigma Winnicottiano
situa a
psicanálise num lugar privilegiado na compreensão e cura das psicoses, mas também na compreensão e cura
das
doenças neuróticas, dos distúrbios psicossomáticos e no tratamento de crianças. Além disso constitui uma
ferramenta fundamental para o trabalho com pais, para a terapia de casal e para a intervenção familiar.
Tem
um
potencial preventivo extraordinário, não só no trabalho com grávidas e bebés, mas também nas diversas
intervenções psicoterapeuticas e nas organizações de grupo. Por isso, está também num lugar de charneira
no
trabalho com Instituições.
Winnicott descreve uma teoria do amadurecimento, a partir do trabalho com
crianças (e bebés) e da clínica psicanalítica (sobretudo com doentes psicóticos) deslocando o foco da
psicanálise clássica, da evolução psicossexual para as necessidades humanas mais iniciais. Com isso
consegue
abordar os distúrbios do amadurecimento mais primitivos, sem excluir a dinâmica da sexualidade e a
compreensão
das doenças que dizem respeito aos seres humanos já constituídos. Mas acrescenta à psicanálise a
compreensão
do
fenómeno de nós tornarmos pessoas, problemática fundamental no adoecer psicótico. São vastos, os textos
na
obra
de Winnicott onde podemos encontrar esta nova forma de compreensão do ser humano. Por exemplo, o texto
de
1952
“Psicoses e Cuidados Maternos”, que se encontra na obra “Da Pediatria à Psicanálise. Obras Escolhidas”.
Curiosidade do mês: Exatamente no dia em que lançamos o primeiro número do nosso boletim, a 7 de Abril de 1896, nascia Donald Woods Winnicott, na localidade de Plymouth em Inglaterra, filho de Elizabeth Martha Woods Winnicott e Sir John Frederick Winnicott. Daqui em diante festejaremos com ele, o nosso aniversário.
Este mês recomendamos a leitura do texto “De Freud a Winnicott: aspectos de uma
mudança paradigmática*, de Zeljko Loparic.
Neste texto, o filósofo, estudioso da obra de Winnicott,
mostra
com clareza a mudança de paradigma configurada na psicanálise winnicottiana. É um texto essencial para quem
pretende estudar a fundo o contributo do autor. Deixamos o link, para mais fácil acesso ao artigo:
Link: De Freud a Winnicott: aspectos de uma mudança paradigmática
E deixamos também uma nota sobre este texto, escrita pela mão do próprio autor:
Meu artigo “De Freud a Winnicott: aspectos de uma mudança paradigmática” é a tradução para o português da versão inglesa revista da palestra “Winnicott’s Paradigm” que fiz em 2000 na The Squiggle Foundation, em Londres,a convite da então presidente dessa fundação, Jan Abram. A tradução para o português e a versão em inglês foram publicadas em veículos acadêmicos e em livros. Revista mais uma vez por Jan Abram, a versão em inglês foi incluída na sua coletânea Donald Winnicott Today(Routledge, 2023) e, mais recentemente, no The RoutledgeInternational Handbook of Psychoanalysis andPhilosophy (Routledge, 2023). O artigo contém elementos centrais da interpretação da obra de Winnicott elaborada por mim e por Elsa O. Dias nos anos 1990, que se tornou um dos dois pilares do Projeto Winnicott, desenvolvidoem parceria com nossos alunos e colaboradores e implantado em várias instituições winnicottiana no Brasil e em outras partes do mundo. Segundo essa interpretação, a obra de Winnicott propõe um novo paradigma do tipo kuhniano para tratamento, pesquisa e ensino, em várias áreas de saúde, que é resultado de uma mudança revolucionária de conceitos e procedimentos, motivada pela pouca abrangência e ineficácia dos paradigmas tradicionais na resolução de problemas da saúde, em particular do freudiano.
O terapeuta/analista formado nesse paradigma assume, como expliquei no capítulo I do livro 20 anos de formação winnicottiana, 2004-2024 (DWWeditorial, 2024, formato PDF, acessível no site da editora), os seguintes compromissos teóricos e metodológicos: o problema exemplar da clínica é a psicose (e não a neurose); a teoria-guia trata do amadurecimento emocional e pessoal, que se inicia no relacionamento dual (e não do desenvolvimento sexual, que ocorre em relacionamentos triangulares); a dimensão filosófica do paradigma é articulada em termos de universais da natureza humana, que podem ser aproximados dos existenciais de Heidegger (e não pelos pontos de vista metapsicológicos sobre o aparelho psíquico do tipo kantiano); os procedimentos incluem historiação (history taking), manejo e análise maturacional (e não se restringem à análise libidinal ortodoxa); o valor básico almejado é a vida que, mesmo sofrida, vale a pena de ser vivida (e não a obtenção de prazeres, mesmo sublimados). Esse profissional adquire, ainda, capacidades operacionais que o qualificam para o exercício da clínica winnicottiana, aquisição que pressupõe uma estrutura de personalidade apropriada para a prática de identificação cruzada e a passagem pela formação winnicottiana. Na Escola Winnicottiana de São Paulo, esse quadro paradigmático, destinado para uso em pesquisa que é tratamento e em tratamento que é pesquisa, é ensinado por exposição teórica, acompanhada pelo estudo da estrutura e do conteúdo dos casos clínicos relatados por Winnicott.
O segundo pilar do mencionado Projeto Winnicott consiste na promoção de uma rede internacional de instituições winnicottianas que se propõem a realizar os objetivos do paradigma winnicottiano, oferecendo condições e oportunidades para pesquisa, tratamento, ensino e publicações, sendo que as mais importantes entre elas estão reunidas na International Winnicott Association(IWA), fundada em São Paulo em 2013 por iniciativa do Instituto Brasileiro de Psicanálise Winnicottiana (IBPW).
Z. Loparic
A psicanálise clássica, a talking cure, depende fundamentalmente da palavra dita (simbólica) enquanto fenómeno estrutural (que visa a ampliação de uma rede de significados), já a psicanálise Winnicottiana substitui a talking cure pela care cure. Ou seja, na psicanálise Winnicottiana, o foco está na necessidade de ser e continuar a ser, pelo que se apoia na relação humana, tendo por base a teoria do amadurecimento. Aqui, conta todo o manejo da situação clínica e mesmo a palavra, leva em conta a necessidade de contacto, mais do que o seu valor simbólico. Facilita uma dialética de contacto-aproximação, favorecendo ou reforçando as fundações precoces do amadurecimento. Naturalmente, quando o que temos no contexto clínico são indivíduos cujas questões de “ser” ou “vir a ser” já não se colocam, predomina a talking cure, no entanto, mesmo nestes casos, o analista ou terapeuta Winnicottiano, está sempre atento ao que de mais primitivo possa surgir, daí que, mesmo por detrás da talking cure está sempre a care cure. Uma psicanálise presa ao que se tem de tornar exclusivamente mental sem ter em conta a embaixada psicossomática, corporal, de contacto, é uma psicanálise incompleta e, por ventura, doutrinaria. Não é este o modelo que nos guia. Num mundo onde a individualidade é cada vez mais atropelada, onde as redes sociais transmitem um colorido em falso self a que supostamente a pessoa deve corresponder, é um mundo que convida à hiperadaptaçāo em falso self e à perda (ou não constituição) do sentido de vida. A psicanálise Winnicottiana tem em conta os vários ambientes que envolvem o seu paciente – desde os da mais distante infância aos mais atuais – procurando resgatar ou fazer emergir a pessoa no que de mais próprio e genuíno llhe cabe. Devolve o humano ao humano, introduzindo a pausa no fernezim adaptativo. Além disso, não parte da ideia pré-concebida do Édipo ou da angústia de castração. Claro que esses conceitos também têm o seu lugar na constituição do ser humano, mas o que importa, em primeiro lugar, é que seja possível a cada indivíduo encontrar o seu próprio sentido de vida. Aqui, aproximamo-nos muito da analítica existencial proposta por Heidegger em Ser e Tempo.
Maria do Rosário Belo e Tiago Filipe Estêvão
Decorreu, a 24 de Fevereiro, na Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa a Supervisão Pública da nossa Associação. O evento decorreu em tom caloroso de ricas trocas científicas, humanas e culturais, como é já hábito de tudo o que diz respeito à Associação Winnicottiana Portuguesa. Houve espaço para brincar e para pensar (forma especializada de brincar). O dia acabou já com saudade e com forças renovadas para o próximo grande acontecimento: as segundas jornadas Winnicottianas, a decorrer a 17 e 18 de maio na Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa.
A propósito, aqui deixamos o link para que posso consultar o programa e inscrever-se. Será o momento de
trocas
teóricas e clínicas e contaremos com a presença dos colegas brasileiros: Alfredo Naffah Neto, Ricardo Telles
de
Deus e Conceição Serralha. A abertura ficará a cargo de João Tordo. Venham!
Este mês celebramos também a entrada da nossa colega Rosa Castro como colaboradora da Associação Winnicottisna Portuguesa, nomeadamente como coordenadora do grupo de supervisão “Human Nature”.
”Human Nature” constitui-se assim como o terceiro grupo dos nossos seminários de supervisão permanente, a juntar-se aos outros dois já existentes: o pioneiro “Going on Being”, com a coordenação da nossa colega Rita Pereira Marques e o “Good Enough”, com a coordenação da nossa colega Cristina Cruz. Aproveitamos para informar que, neste momento, ainda conseguimos vaga em qualquer um dos três.
Rubricas Culturais
Recomendamos o visionamento das seguintes longas metragens:
O Maestro, 2023 de Bradley Cooper sobre a vida do maestro Bernstein e seu casamento com Felicia Montealegre
No Maestro contactamos com a beleza da criação mas também com o paradoxo do artista ser um ser tão permeável ao ambiente que o torna num ser em carne viva. Um som, um olhar, um momento, um ser onde tudo é estímulo que atinge os nervos e abre o corpo. Quer estar na pele de quem cria é quer aceitar os anjos e os demónios.
Rita Pereira Marques
Dias Perfeitos, 2023 de Wim Wenders.
Ser é estar presente em aceitação plena e acolhimento. É repetir gestos com a sabedoria de quem sabe que aquele dia é o dia de agora.
“A próxima vez será a próxima vez. Agora é agora” (sic)
Que dizer da forma repetida, mas simultaneamente criativa com que o personagem
preenche os seus dias? O que é que predomina? É a alienação? É a presença da pessoa?
O filme é maravilhoso, e nem por um segundo só nos parece que não está lá a
pessoa… penso que há toda uma recriação de um ambiente subjetivo a partir do qual
Hirayama
pode
viver. Sim, haverá um isolamento esquizoide, mas isso será talvez o único lugar a partir do qual ele
pode
viver
de forma relativamente autêntica: a simplificação de um mundo que passa a habitar, ainda que isso lhe
custe
deixar de fora muitas coisas da vida – uma relação amorosa, a relação com a família, um mundo mais
alargado
de
experiências . – e portanto, sim, será uma existência com limitações, mas uma existência. E apesar de
tudo,
uma
existência rica, que inclui diariamente a ligação à natureza, a fotografia, música e a literatura. Será
a
vida
das pessoas socialmente adaptadas mais rica?
O filme é fiel à preocupação que atravessa todos os filmes de Win Wenders: o sentido da existência. No fim, ficamos na dúvida de qual será o próximo passo do personagem. Preenchemo-lo connosco próprios, com o nosso próprio sentido de existência.
Maria do Rosário Belo
Actualidade
Estado da Democracia e Amadurecimento:
A preservação da democracia só seria possível através do exercício e do usufruto maduros da liberdade bem como da atribuição da liberdade ao outro. Mas o que seria efetivamente o exercício e usufruto maduros da liberdade?
“O amor à liberdade, por si só, não gera liberdade” (Winnicott, 1940).
“A mim causa extremo desconforto ver que se fala de democracia, nesta época solene, como se ela significasse apenas o Estado servindo o povo, ao invés de o povo servindo o Estado. Sem dúvida, o essencial da democracia é que o povo não apenas eleja, mas também se livre dos seus líderes e assuma essa responsabilidade” (Winnicott, 1940).
Rita Pereira Marques
Que melhor forma temos para falar da nossa formação senão pelos testemunhos do nosso colega Gilmar Rodrigues sobre o novo Ano Zero do Curso de Especialização em Psicanálise Winnicottiana:
“Quando decidi fazer uma formação em psicanálise foi um pouco difícil saber por qual associação optar, pois eu não conhecia suficientemente bem as diferentes abordagens teóricas e clínicas. Para mim, o Ano 0 foi o critério decisivo para ingressar na formação Winnicottiana. Só tenho elogios à equipa por sua capacidade intelectual e hospitalidade. Sinto-me absolutamente acolhido e estimulado neste processo de formação.”